LIVRO OS ENSINADORES SELVAGENS PDF PABLO OTTO
BAIXAR LIVRO ONLINE
Resumo
Ninguém ainda sabia o motivo do Prof. Plinio ter comprado um bolo de chocolate de quatro quilos com recheio de avelã, nozes e brigadeiro da caríssima marca Kopenhagen. Na entrada da secretaria, colada à parede de recados, sempre havia a lista dos aniversariantes, mas naquele mês, algo raro, ninguém aniversariava. Naquele dia, entretanto, quando os professores estavam em sala-de-aula, é como se os minutos, os segundos e todo o ano ainda por vir sucumbissem ao passado sem chegar o maldito horário do intervalo. O caso se aguçava ainda mais porque o Prof. Plinio, ao contrário dos outros, era um excêntrico. Havia semanas em que falava e sorria muito, enquanto noutra se encontrava amuado como um caranguejo. Vestia-se à margem: tênis da moda com paletós démodé, camisas e calças de cores aberrantes acalmadas com peças ora cinza e azul-marinho. Muito mais cinza e azul-marinho do que, mas os colegas não tinham senso estético aguçado para perceber que o aberrante do laranja, do rosa, do amarelo-ouro, do vermelho-sangue, do roxo e do lilás de suas calças, camisetas ou camisas estavam sempre em simbiose pelo cinza sem vida do paletó, da boina, da gravata borboleta ou do cachecol. O Prof. Plinio lecionava religião, do que deveria ser aula secularizada de religião (antropologia, história, sociologia…), mas que, na prática, tornava-se pura teologia, não por culpa dele, ainda que um pouco fosse, mas devido às exigências e pressões que sofria por parte da diretoria e de alguns políticos que se elegiam com votos dos religiosos.Estavam todos curiosos para saber o motivo da comemoração, pois mesmo nos dias em que alguém faz aniversário é algo raro encontrar uma obra-prima como um bolo da Kopenhagen. O intervalo finalmente chegou ao som de uma antiquada sirene e os professores correram à sala para aproveitar aqueles trinta minutos de sossego. Lá estava Plinio, sorridente, cortando o bolo em fatias generosas, pedindo ajuda para servir o suco de soja, a Coca-Cola e o guaraná Antarctica de um litro e meio. Perguntas vinham e iam, olhares atravessavam-se como automóveis nas grandes avenidas, mas o Prof. de religião apenas dizia alegremente: gente, comam, comam a vontade, estou feliz é isso, resolvi partilhar a minha felicidade, por favor, comam. E como ninguém era bobo de transgredir a uma ordem tão boa, comeram e sorveram e se empanturraram até não restar última fatia ou bebida ao som de Beethoven, a música ambiente tocada no computador durante aqueles trinta minutos de sossego. A pergunta que não se aguentava no silêncio veio da Prof.ª Edna, seguida de burburinhos. Plinio, afinal, por que este bolo gostoso de morrer? Tem que ter algum motivo! Tem que ter? Sim, tem que ter! A Edna tem razão… Está de morrer de tão gostoso!Todos eles, saciados e sentados às suas mesas com um sorriso sereno, olharam para o Prof. Plinio com o mesmo ar curioso da Prof.ª Edna. A pergunta não saiu da boca de nenhum deles, tinham receio de suas excentricidades, ainda que ela saltasse de seus olhos. O Prof. Plinio respondeu: morreu o meu pai, por isso resolvi partilhar com vocês esse momento tão importante. Os segundos de silêncio foram interrompidos pelo engasgo e tosse do Prof. Orson que chegou a cair da cadeira. Foi preciso ajudá-lo a se levantar quando a sirene tocou, anunciando o fim do intervalo e lembrando-os de que não eram senhores de seu próprio tempo. Sem um só comentário eles marcharam para as salas-de-aula onde já deveriam estar dez minutos antes se a relação que mantêm com o tempo fosse mais britânica que brasileira, mais mecânica que malandra.